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Almeida, José de (1946-1948) | Arquivo Histórico-Social

Nome: Almeida, José de (1946-1948)
Nome Completo: José de Almeida


Nota Biográfica: Operário sapateiro, iniciou a sua militância anarquista aos 14 anos, em Coimbra. Certa vez, em defesa da sua dignidade de operário sapateiro fora, junta-mente com Arnaldo Simões Januário, à redacção do Correio de Coimbra para exigir uma reparação a uma nota ali publicada. Uma vez lá, defrontou-se com Salazar, então director daquele jornal que, a tremer como um covarde, lhe prometera rectificar a nota ofensiva, o que efectivamente cumpriu. Nesse tempo Salazar era um modesto católico e professor, um "João Ninguém". José de Almeida (depois de curtos períodos em que havia sido preso) foi encarcerado por participar na greve revolucionária de Janeiro de 1934 e depois de conhecer a prisão de Coimbra foi levado para o forte da Trafaria. Nesse forte foi espancado e ferido gravemente pelo tenente Almeida no dia 22- 4-1934, por haver participado na chamada "revolta da Trafaria". Dali foi para o Aljube de Lisboa e depois para os calabouços do Governo Civil. Em Junho do mesmo ano foi deportado para a fortaleza de S. João Baptista na Ilha de Terceira (Açores), e em 29 de Outubro de 1936 foi habitar o Campo de Concentração de Tarrafal, em Cabo Verde. Ali ficou quase até à extinção do Tarrafal; ali viu morrer, à míngua de alimentação e tratamento, muitos lutadores anti-fascistas. Quando da sua morte fizemos publicar na imprensa anarquista em França: "O movimento anarquista de Portugal, desde 1926 sujeito à mais cruel perseguição policial, acaba de perder, no dia 9 de Outubro de 1962, José de Almeida. No longo reinado de crimes cometidos pelo governo fascista português e da criação do campo de concentração do Tarrafal, o nome de José de Almeida aparece sempre entre os grandes mártires. Firme nas suas convicções acratas e disposto a pagar caro pelos seus ideais, lutou até ao último dia de vida contrariando a famigerada PIDE que constantemente o perseguia e torturava física e moralmente. Agora que baixou à vala comum o valente lutador José de Almeida podemos falar digo "podemos" porque nada mais lhe pode fazer a famigerada PIDE das suas actividades mais recentes e corajosas. Somos depositários de meia centena de cartas que periodicamente nos enviava de Coimbra, relatando minuciosamente a luta clandestina contra o fascismo. Todos os crimes praticados pela Gestapo de Salazar chegavam ao meu conhecimento graças à coragem de José de Almeida a quem fiquei devendo valiosa documentação que aparece no livro O Retrato da Ditadura Portuguesa, que não chegou a ver. Numa das suas longas cartas, com data de 5-10-1959, ao terminar uma informação bastante preciosa para nós, solicitava a interrupção da nossa correspondência, explicando os motivos: "No dia 17-9-1959, quando me preparava para sair de casa, chega o carteiro acompanhado de um agente da Pide, que logo reconheci. O carteiro era portador de dois pacotes da Voz de Portugal por ti enviados, e que vinham devidamente registados. Compreendendo a gravidade da situação disse imediatamente ao carteiro que devolvesse os pacotes ao remetente que eu não os aceitaria em tal circunstância. O agente da Pide percebendo que o seu intento fora em vão ao pensar que me prenderia com os jornais, intimou-me a assinar o registo de recebimento. Recusei-me, é claro, e surgiu discussão entre nós quando o agente num gesto brusco arranca das mãos do carteiro os pacotes e exclama: isto está apreendido e você vai resolver a assinatura na sede da Pide. Hesitei entre assinar e ficar em liberdade ou ir preso e perder em ambos os casos os jornais. O carteiro tremia apavorado e eu decidi assinar o recibo dos jornais que o agente roubou para depositar em seus arquivos. Feito isto, com terrível ímpeto me dissera que na próxima vez me enviariam para Lisboa. Desde que regressei do Tarrafal já passei uma dezena de vezes pela prisão, algumas das quais pelo mesmo motivo: receber correspondência e responder aos companheiros de ideias. Numa das vezes que enfrentei o facínora capitão Sachetti, na sede da Pide, este me afirmara que ali se estava preparando um processo contra mim por "crime contra a segurança do Estado e traição à Pátria". Assim me vejo por este processo impedido de continuar nessa correspondência, todavia dentro em breve te direi algo de novo". O silêncio do velho lutador, a perseguição policial e as invasões periódicas ao domicílio de José de Almeida e o roubo descarado esse é o termo exacto  por parte da Gestapo, levou-o ao desespero. De certa batida a polícia roubou-lhe elementos e apontamentos para a bibliografia do Anarquismo em Portugal, que pretendia escrever. Finalmente em Setembro de 1926 recebo do velho amigo algumas linhas e sem esperar a minha resposta, quebra o silêncio com a seguinte denúncia: "No mês de Abril (1962) a Pide fez aqui várias prisões incluindo na sua caçada os dois filhos do inolvidável e grande lutador anarquista Arnaldo Simões Januário. São eles Alberto Simões Januário e Carlos Simões Januário, ambos casados e com filhos de tenra idade, e ainda o nosso amigo José Marques. O motivo das prisões foi a distribuição de manifestos pró-agitação de 1.° de Maio. Vão ser julgados em Outubro no Tribunal Plenário de Lisboa acusados de comunistas, sem o serem. Para poderes avaliar a situação em que vivemos informo-te que o nosso amigo prof. Almeida Costa foi visitado em Coimbra por um publicista inglês (amigo de seu amigo actualmente na Inglaterra) e quando se dispôs a mostrar-lhe a cidade, foram presos os dois, tendo o publicista inglês sido conduzido sob prisão para Lisboa e dali expulso para o seu país, e Almeida Costa ficou preso por alguns dias. Este absurdo ocorreu a 26 de Agosto. Nestes quase 3 anos que a Pide me silenciou, muitos crimes e prisões foram cometidos". Com data de 1-10-62 recebemos uma nova carta bem animada e o relato das torturas porque haviam passado os filhos de Arnaldo Simões Januário e, decorridos alguns dias, chega-nos um recorte do Diário de Coimbra de 9-10-62, onde noticiava: "Na sua residência, na Avenida Sá da Bandeira, faleceu o Sr. José de Almeida, solteiro, sapateiro, de 70 anos de idade, natural da freguesia de São Bartolomeu. O seu funeral realizou-se ontem para o cemitério da Coitchada".
Fontes: E. Rodrigues (1982). A oposição Libertária em Portugal. 1939-1974. Lisboa. Sementeira.
Nota do Autor: E. Rodrigues (1982)